sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Envenenado

Em 1816, cinco anos antes de sua morte, surgiram as 
primeiras dores, mas o círculo do imperador não se preocupou.
(Imperador em Santa Helena ditando suas memórias para o 
general Gorgaud, óleo sobre tela, Charles Steuben, séc. XIX)
Já havia alguns anos que Napoleão Bonaparte se queixava de dores no estômago – os primeiros problemas manifestaram-se em 1816. Essas dores intensificaram-se a ponto de impedi-lo de caminhar, em torno de sua residência de Longwood.

Todos os exilados em Santa Helena tiveram de sofrer, em um momento ou em outro dos seis longos anos que passaram na ilha, dessas perturbações ligadas ao mesmo tempo ao clima e à alimentação. Se acrescentarmos que, desde o início de sua detenção, o imperador deposto engordara muito, a ponto de se tornar “um homenzinho obeso” – nas palavras de seus carcereiros –, será possível compreender melhor por que os seus próximos não ficaram alarmados de imediato com a degradação de seu estado de saúde. Em 15 de abril de 1821, Napoleão ditou seu testamento, o que, finalmente, inquietou a todos. Em 1º de maio, Louis Marchand, criado de quarto pessoal do imperador, alertou o círculo. Acometido de um mal-estar quando despertou, seu senhor teve de retornar ao leito. Isso não estava entre seus hábitos.

Recusando a visita dos médicos ingleses que lhe enviara Hudson Lowe, o governador da ilha, Napoleão mergulhou durante longas horas em estado semicomatoso. Ao despertar, no final da tarde, pediu que colocassem o busto de seu filho sobre a borda da chaminé, diante de seu leito. Depois disso, perdeu outra vez a consciência.

No dia seguinte, sua respiração tornou-se estertorante. Durante seus raros momentos de lucidez, ele parecia tomado por delírios. Apesar de um dia de alívio, em 4 de maio Napoleão desfaleceu novamente ao final da tarde. Sua noite foi agitada. Na alvorada do dia 5, estava em agonia. Seus próximos sucediam-se à sua cabeceira para lhe apresentar suas derradeiras homenagens, mas ele já estava longe. Às 7 horas da manhã, balbuciou algumas palavras. Louis Marchand acreditou ter ouvido: “ França...França...” Napoleão desfaleceu mais uma vez. Ele reabriria os olhos apenas no final da tarde, para murmurar, num último sobressalto, frases incoerentes das quais emergiam as palavras “cabeça“ e “exército“, antes de, aos 51 anos, entregar a alma.

Seu criado anotou a hora precisa da morte (17h49) e em seguida correu para informar as autoridades inglesas. No dia 6, Hudson Lowe veio constatar o falecimento de seu prisioneiro. Os médicos britânicos procederam então a uma autópsia. Seu relatório confirmou que o Imperador havia engordado muito desde o início de sua detenção.

Segundo os médicos, um tumor estaria na origem da morte. Portanto, um câncer, como já havia acontecido com seu pai, Carlos Bonaparte, teria matado Napoleão.

Desde que a notícia de seu desaparecimento chegou a Paris, dois rumores contraditórios começaram a circular, ambos difundidos pelos círculos bonapartistas. De acordo com o primeiro, não era o Imperador que teria morrido e sim um sósia: Napoleão I havia conseguido escapar de seu exílio em Santa Helena e preparava seu retorno. O segundo afirmava que o Imperador havia sido assassinado por seus carcereiros para, precisamente, impedi-lo de realizar esse projeto.

Em 1961, um toxicologista sueco, Sven Forshufvud, persuadido de que os sintomas de Napoleão não correspondiam a um câncer, fez analisar uma mecha de cabelos do Imperador. Realizadas pelo professor Hamilton Smith, do Departamento de Medicina Legal da Universidade de Glasgow (Escócia), essas análises revelaram a presença de uma forte concentração de arsênico. Começou ali um longo debate, que se estende até os dias atuais.

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